Portugal: um país de vinho e do Porto

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O Vinho em Portugal

João Lemos Viegas

Especial da Europa – As uvas foram cultivadas em Portugal desde a antiguidade. Os escritos de Estrabão, o grande geógrafo da antiga Grécia, indicam que os habitantes do noroeste da Península Ibérica já bebiam vinho há dois mil anos. Os romanos, que chegaram a Portugal no século II AC e permaneceram por mais de 500 anos, cultivaram vinhas e faziam vinho nas margens do rio Douro, onde o vinho do Porto é hoje produzido. O período de prosperidade que se seguiu à criação do reino de Portugal, em 1143, viu o vinho tornar-se num importante produto de exportação.

 
A fundação de Portugal, em 1143 por D. Afonso Henriques, e a conquista da totalidade do território português aos mouros, em 1249, permitiu que se instalassem Ordens religiosas, militares e monásticas, com destaque para os Templários, Hospitalários, Santiago da Espada e Cister, que povoaram e arrotearam (limparam mato para cultivar) extensas regiões de vinhas, tornando-se ativos centros de colonização agrícola, alargando-se, deste modo, as áreas de cultivo da vinha. O vinho passou, então, a fazer parte da dieta do homem medieval começando a ter algum significado nos rendimentos dos senhores feudais. No entanto, muita da sua importância provinha também do seu papel nas cerimónias religiosas.
 
Os vinhos de Portugal começaram a ser conhecidos até no norte da Europa. Foi na segunda metade do século XIV, que a produção de vinho começou a ter um grande desenvolvimento, renovando e incrementando-se a sua exportação.
 
Em 1386, o Tratado de Windsor tinha estabelecido uma estreita aliança política, militar e comercial entre a Inglaterra e Portugal. Sob os termos do tratado, cada país concedeu aos comerciantes do outro país o direito a residir no seu território e a comercializar em condições de igualdade com os seus próprios súbditos. Desenvolveram-se relações comerciais fortes e dinâmicas entre os dois países e muitos comerciantes ingleses estabeleceram-se em Portugal.
 
Na segunda metade do século XV uma quantidade significativa de vinho português era exportada para a Inglaterra, muitas vezes em troca do famoso bacalhau – Cod em inglês- Ainda hoje o Cod, bacalhau é o peixe mais generoso com que se faz o famoso fish and chips, que se pode degustar em qualquer Pub ou “boteco” inglês.
 
O tratado comercial anglo-português de 1654 criou novas oportunidades para os comerciantes ingleses e escoceses que viviam em Portugal, permitindo-lhes privilégios especiais e direitos aduaneiros preferenciais. Naquela época, o centro do comércio do vinho não foi o Porto, como mais tarde se tornou, mas a elegante cidade costeira do norte, Viana do Castelo, cuja situação no amplo estuário do rio Lima a tornou num porto seguro natural. Os comerciantes importaram mercadorias, tais como lã e tecidos de algodão da Inglaterra e exportaram cereais, fruta, azeite e o que era conhecido como “red Portugal”, ou “tinto de Portugal”, esse vinho leve e ácido produzido nas proximidades na região verdejante do Minho, particularmente nos arredores das cidades de Melgaço e Monção.
 
Nos séculos XV e XVI, no período da expansão portuguesa, as naus e galeões que partiram em direcção à Índia, um dos produtos que transportavam era o vinho. No período áureo que se seguiu aos Descobrimentos, os vinhos portugueses constituíam lastro (peso) nas naus e caravelas que comercializavam os produtos trazidos do Brasil e do Oriente.
Será talvez oportuno referirem-se aqui os vinhos de “Roda” ou de “Torna Viagem”. Se pensarmos quanto tempo demoravam as viagens. Eram, na generalidade, cerca de seis longos meses em que os vinhos se mantinham nas barricas, espalhadas pelos porões das galés, sacudidas pelo balancear das ondas, ou expostos ao sol, ou por vezes até submersas na água dos do fundo dos navio… E o vinho melhorava!
 
Tal envelhecimento suave era proporcionado pelo calor dos porões ao passarem, pelo menos duas vezes, o Equador e pela permanência do vinho nos tonéis, tornando-os ímpares, preciosos e, como tal, vendidos a preços verdadeiramente fabulosos. O vinho de “roda” ou de “torna viagem” veio assim facultar o conhecimento empírico de um certo tipo de envelhecimento, cujas técnicas científicas se viriam a desenvolver posteriormente.
 
Em meados do século XVI, Lisboa era o maior centro de consumo e distribuição de vinho do império – a expansão marítima portuguesa levava este produto aos quatro cantos do mundo.
 
Chegados ao século XVII, o conjunto de publicações de várias obras de cariz geográfico e relatos de viagens, quer de autores portugueses, quer de autores estrangeiros, permite-nos entender o percurso histórico das zonas vitivinícolas portuguesas, o prestígio dos seus vinhos e a importância do consumo e do volume de exportações. Foi também no século XVII que o vinho do Porto apareceu, tendo os primeiros vinhos sido exportados na segunda metade do século XVII.
 
Em 1703, Portugal e a Inglaterra assinaram o Tratado de Methwen, onde as trocas comerciais entre os dois países foram regulamentadas. Ficou estabelecido um regime especial para a entrada de vinhos portugueses em Inglaterra. A exportação de vinho conheceu então um novo incremento.
 
No século XVIII, a vitivinicultura, tal como outros aspectos da vida nacional, sofreu a influência da forte personalidade do então primeiro ministro de Portugal, Marquês de Pombal. Assim, uma grande região beneficiou de uma série de medidas proteccionistas – a região do Alto Douro e o afamado Vinho do Porto. Em consequência da fama que este vinho tinha adquirido, verificou-se um aumento da sua procura por parte de outros países da Europa, para além da Inglaterra, importador tradicional.
 
As altas cotações que o Vinho do Porto atingiu fizeram com que os produtores se preocupassem mais com a quantidade do que com a qualidade dos vinhos exportados, o que esteve na origem de uma grave crise. Para pôr fim a esta crise, o Marquês de Pombal criou em 10 de Setembro de 1756, a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, para disciplinar a produção e o comércio dos vinhos da região, prevendo ainda a necessidade de se fazer, urgentemente, a demarcação da região, o que veio a concretizar-se. Assim, segundo alguns investigadores, foi esta a primeira região demarcada oficialmente no mundo vitivinícola, para grande desagrado dos franceses que gostariam que fosse o Champanhe, Bordéus ou quiçá a Borgonha.
 
O século XIX foi um período negro para a vitivinicultura. A praga da filoxera, que apareceu inicialmente na região do Douro em 1865, rapidamente se espalhou por todo o país, devastando a maior parte das regiões vinícolas.
 
Em 1907/1908, iniciou-se o processo de regulamentação oficial de várias outras denominações de origem portuguesas. Para além da região produtora de Vinho do Porto e dos vinhos de mesa Douro, demarcavam-se as regiões de produção de alguns vinhos, já então famosos, como são o caso dos vinhos da Madeira, Moscatel de Setúbal, Carcavelos, Dão, Colares e Vinho Verde.
 
Foi criada a Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal (1933), organismo corporativo dotado de grandes meios e cuja intervenção se marcava, fundamentalmente, na área da regularização do mercado. À Federação, seguiu-se a Junta Nacional do Vinho (JNV) (1937), e à Junta seguiu-se o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) (1986), organismo adaptado às estruturas impostas pela nova política de mercado decorrente da adesão de Portugal à Comunidade Europeia.
 
Surge, então, uma nova perspectiva na economia portuguesa e, consequentemente, na viticultura. O conceito de Denominação de Origem foi harmonizado com a legislação comunitária, e foi criada a classificação de “Vinho Regional”, para os vinhos de mesa com indicação geográfica, reforçando-se a política de qualidade dos vinhos portugueses.
 
Com objetivos de gestão das Denominações de Origem e dos Vinhos Regionais, de aplicação, vigilância e cumprimento da respectiva regulamentação, foram constituídas Comissões Vitivinícolas Regionais, que têm um papel fundamental na preservação da qualidade e do prestígio dos vinhos portugueses. Atualmente estão reconhecidas e protegidas, na totalidade do território português 33 Denominações de Origem e 8 Indicações Geográficas.

Marquês de Pombal foi um diplomata português, embaixador, Secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros e Ministro do Reino.

O Marquês de Pombal

 
Em 1703, a assinatura do Tratado de Methuen entre Inglaterra e Portugal criou ainda mais incentivos para o negócio do vinho do Porto, determinando que os vinhos portugueses importados para a Inglaterra devessem pagar de imposto um terço a menos do que os vinhos franceses.
 
Mais importante, o “vinho do Porto”, produzido na região do Douro, era muito mais ao gosto do consumidor inglês do que o “tinto de Portugal” do Minho. Os comerciantes ingleses e escoceses não estavam sós no comércio de vinho do Porto. Também estavam envolvidas no negócio famílias holandesas e alemãs. No entanto, a enorme importância do mercado inglês significava que os comerciantes britânicos predominavam.
 
A segunda década do século XVIII marcou o início de trinta anos de rápido crescimento nas exportações de vinho do Porto e um período de grande prosperidade tanto para os produtores da região do Alto Douro como para os exportadores de vinho do Porto, sediados no Porto. Contudo, com o passar do tempo, este rápido crescimento da procura aos poucos deu origem a especulações no comércio e a práticas fraudulentas, como a adição da baga de sabugueiro aos vinhos mais pobres para lhes dar cor e a ilusão de qualidade.
 
Outras complicações surgiram na década de 1750, onde se assistiu a uma queda acentuada na procura e um excesso de produção no Douro. Em 1756, o Marquês de Pombal, na qualidade de Ministro de Estado de Portugal, cuja influência e poder tinham sido reforçados pela sua intervenção após o catastrófico terramoto que destruíra a maior parte da cidade de Lisboa no ano anterior, entrou em cena para restaurar a ordem.
 
O Marquês de Pombal determinou imediatamente o controlo estatal sobre o comércio do vinho do Porto, sob a forma de uma empresa, a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (mais tarde conhecida como a Real Companhia ou Companhia Velha), com o monopólio do comércio com a Inglaterra e o Brasil e da produção e venda de aguardente no norte de Portugal. No mesmo ano, os limites da área vitivinícola do vinho do Porto foram demarcados e a sua posição assinalada com 335 pilares de pedra, conhecidos como os marcos pombalinos.
 
Em 1757, fez-se a primeira classificação abrangente das vinhas do vinho do Porto (quase um século antes da semelhante classificação que se fez em Bordéus). Aqueles que produziam os melhores vinhos, conhecidos por “vinhos de feitoria”, foram autorizados a vender os seus vinhos para exportação e reclamar um preço mais elevado, enquanto os que fazem vinhos de qualidade mais modesta, chamados “vinhos de ramo”, ficavam restritos ao mercado interno. Medidas foram tomadas, como a erradicação da árvore de sabugueiro dentro da área de demarcação, para conter os abusos mais comuns.
 
As ações draconianas do Marquês de Pombal e da empresa de monopólio, embora impopulares na época, resultaram numa melhora na qualidade do vinho do Porto e deram início a uma nova era de crescimento e prosperidade tanto para os produtores e como para os exportadores. Ao estabelecer os limites geográficos das vinhas do vinho do Porto, classificando-as de acordo com a qualidade e estabelecendo normas para a produção do vinho, o Marquês de Pombal foi um precursor visionário do moderno conceito de DOC (Denominação de Origem Controlada). Estas medidas pioneiras lançaram as bases para a legislação de hoje que é uma das mais sofisticadas de qualquer das clássicas regiões vitivinícolas mundiais.

O Desenvolvimento da Fortificação

A segunda metade do século XVIII foi um período importante na história do Vinho do Porto e assistiu ao início de uma série de práticas que transformariam o vinho do Porto no grande vinho fortificado que hoje conhecemos.
 
A liderar estas práticas esteve a fortificação. No início, como vimos, por vezes adicionava-se aguardente aos vinhos no momento do embarque para fortalecê-los contra os rigores da viagem marítima. No entanto, a prática de adição de aguardente ao vinho antes que este tivesse acabado de fermentar, e que é hoje uma parte inseparável do processo de produção do vinho do Porto, raramente era seguida no início do século XVIII. À medida que o século avançava, tornou-se mais comum, em particular quando se constatou que os vinhos mais doces fortes e aromáticos que resultavam da fortificação eram mais do agrado do mercado.
 
Porém, nem todos os comerciantes incentivaram a prática e não foi até o século XIX que este método de fortificação passou a ser amplamente adotado. No entanto, ganhou aceitação gradualmente. A prosperidade dos últimos anos do século XVIII libertou o capital necessário para que comércio acumulasse stocks de vinho e começasse a guardá-los por mais tempo.
 
O potencial superior de envelhecimento dos vinhos do Porto que tinham sido fortificados tornou-se aparente. Diz-se por vezes que o ponto de viragem foi a colheita excecional de 1820 que produziu vinhos do Porto tão magníficos que os vinhos produzidos em anos seguintes não podiam aproximar-se da sua riqueza e intensidade, a menos que fossem fortificados. Em qualquer caso, por volta de 1840 a fortificação era já muito comum e em 1850 era provavelmente universal.
 
Um dos mais ferozes opositores da fortificação foi o famoso Barão Forrester, uma figura lendária na história do vinho do Porto e autor do primeiro mapa detalhado da região do Douro. Ele fez campanha contra a fortificação até à sua morte em 1862, quando o seu barco virou no perigoso Cachão da Valeira. Sabe-se que Forrester tinha ido almoçar mais acima, à Quinta de Vargellas, a agora famosa propriedade pertencente à Taylor’s, com Dona Antónia Ferreira, fundadora da casa Ferreirinha, e a Baronesa Fladgate, esposa de John Fladgate, Barão da Roêda.
 
Após o almoço, enquanto Forrester descia o rio através do desfiladeiro na companhia das duas senhoras, o seu barco bateu numa pedra, atirando passageiros e tripulantes para a água veloz dos rápidos. As senhoras sobreviveram, pois as suas saias de crinolina cheias de ar fê-las boiar até à margem, mas Forrester, possivelmente, agrilhoado pelas moedas de ouro que estavam no seu cinto, nunca foi encontrado. Forrester foi um homem de grande determinação e, se tivesse sobrevivido para convencer os seus colegas do erro das suas opções, o vinho do Porto provavelmente não seria o icónico vinho fortificado que hoje conhecemos.

Avistando a Ribeira do Porto na década de 1910, homens e mulheres carregam  pipas de vinho
no cais de Gaia. Foto: Arquivo Municipal do Porto.

O Nascimento do Vintage

 
Os últimos anos do século XVIII testemunharam outro importante acontecimento que veio a ter uma influência decisiva no vinho do Porto e no seu surgimento como um grande vinho clássico. Esta foi a evolução da forma das garrafas de vidro.
 
As garrafas do início do século XVIII eram bulbosas, de base larga e pescoço curto. Podiam ficar em pé mas não podiam aguentar apoiadas quando deitadas de lado. O seu principal objetivo era levar o vinho da pipa do taberneiro para a mesa e, uma vez vazia, seriam enviadas de volta para serem novamente cheias com vinho. Frequentemente, uma garrafa trazia as iniciais ou o brasão do seu proprietário.
 
Ao longo das décadas, à medida que as técnicas de produção evoluíam, as garrafas tornaram-se progressivamente mais estreitas e mais alongadas, com pescoço mais longo e menos cónico. Pode ver-se na sala do turismo nas caves da Taylor’s, em Vila Nova de Gaia, uma valiosa coleção de garrafas que ilustram esta evolução. Na década de 1770, as garrafas tinham-se tornado suficientemente cilíndricas para poderem ser guardadas deitadas.
 
As técnicas de fabrico de vidro do século XIX evoluiram ainda mais tornando possível fabricar garrafas de capacidade uniforme a um custo menor. Esta evolução da forma das garrafas, levou ao aparecimento do vinho do Porto vintage, vinho de um só ano apto a ser armazenado e envelhecido em garrafeira. Segundo alguns historiadores, o primeiro vinho do Porto vintage foi feito em 1775, antecedendo em 12 anos o que se pensa ser o primeiro Bordéus engarrafado de ano único, o Château-Lafite de 1787.
 
De Lisboa despeço-me com um forte amplexo e mil ósculos ao povo irmão.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Conexão Verdade**

 

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