Gol a R$ 76 mil? Por que os carros ‘populares’ estão ficando tão caros

Modelos básicos subiram de preço. Dólar, produção em baixa, falta de componentes e impostos atrapalham

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Foto: Divulgação Volkswagen Gol
Foto: Divulgação Volkswagen Gol

CNN Brasil Business – No início de fevereiro, uma notícia causou impacto entre as pessoas que buscam comprar um carro 0 km. O Volkswagen Gol, o carro mais barato da marca no Brasil, viu seus preços passarem de R$ 76 mil em sua versão mais completa e com opcionais. E isso levantou a dúvida: por que os carros de entrada das montadoras estão ficando tão caros?

Vale lembrar que esse fenômeno não está afetando apenas os modelos da VW. Um Renault Kwid, modelo subcompacto cujo projeto tem origem indiana, já custa hoje R$ 39.390 em sua versão mais básica Life, que não possui ar-condicionado ou direção assistida. Com tais equipamentos, na configuração intermediária Zen, o preço pula para R$ 46.990.

Outro modelo que, na teoria, tem uma proposta acessível, o Fiat Mobi já parte de R$ 40.990 na versão Easy, também desprovida de direção elétrica e ar-condicionado. Em sua versão mais cara Trekking, os valores começam em R$ 48.990 e vão até R$ 56.250 com opcionais como pintura metálica, central multimídia e rodas de liga leve. Vale lembrar que, há poucos anos, o mesmo carro básico chegou a ser oferecido em promoção pela montadora por R$ 29.990.

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Pandemia tem parte da culpa

Quando o novo coronavírus mostrou os primeiros impactos no Brasil, as principais montadoras do país precisaram suspender suas atividades nas linhas de montagem como forma de impedir a propagação da doença. A paralisação no segundo trimestre de 2020 pode ter causado prejuízos de até R$ 42 bilhões, de acordo com dados da Bright Consulting, especializada no setor automotivo.

Os reajustes constantes de preços ao longo do ano passado foram uma forma de amenizar as perdas, mas este é apenas um dos motivos.

Mesmo quando as linhas de montagem voltaram a produzir carros 0 km no segundo semestre de 2020, o ritmo de fabricação era bem mais lento que o normal. Ao mesmo tempo, a demanda por carros novos no período não caiu tanto quanto se esperava. E aí aplica-se uma das regras mais simples do livre mercado: oferta baixa e demanda em alta resultam em aumento no valor do produto.

Da mesma forma que as montadoras passaram por dificuldades para atender a demanda por conta da produção reduzida, a situação de seus fornecedores não foi muito diferente. Além de operarem em ritmo mais lento, algumas matérias-primas e componentes se tornaram escassos ao longo do ano passado.

Eletrônica não embarcada

Na longa lista de itens que estão em falta –e desacelerando o retorno do ritmo de produção– estão processadores, chips e semicondutores. Apesar de parecerem pertencer a um computador ou celular, são fundamentais para o funcionamento de um automóvel atual e até mesmo para seus sistemas de segurança ativa e passiva.

Cada vez mais dependentes de sensores, radares, câmeras e centrais multimídias, o carro moderno tem mais capacidade de processamento hoje do que alguns computadores de fato. Sem eles, a linha de montagem para –e foi exatamente o que aconteceu.

A consultoria AutoForecast Solutions divulgou uma estimativa em que afirma que, até o momento, mais de 564 mil veículos de diversas marcas ao redor do mundo deixaram de ser produzidos pela falta de algum componente tecnológico. Se a situação se mantiver em 2021, a empresa antecipa que esse número pode chegar a até 1,3 milhão de unidades.

Dólar alto

Mesmo no caso de um veículo fabricado no Brasil, ele ainda utiliza peças importadas. Um estudo de 2019 da Bright Consultoria mostrou que, em 2018, em média, 35% das peças dos carros feitos por aqui vinham de fora do país. E, se vem de fora, é comprado em dólar, e sua cotação flutuante em relação ao real dificulta o planejamento das montadoras.

Em um exemplo simples, imagine comprar uma roda importada por US$ 100. Em fevereiro de 2020, a peça saía pelo equivalente a R$ 448. Hoje, o mesmo componente custa R$ 558. Com margens de lucro cada vez mais apertadas, uma das poucas soluções viáveis para as montadoras é repassar esse aumento para o consumidor final.

Peso dos impostos

A cadeia tributária no Brasil é uma das mais complexas do mundo, com tributações nas esferas federal, estadual e municipal. Então, o valor de um mesmo carro em diferentes locais pode variar. Em São Paulo, por exemplo, o governo do estado aumentou logo em janeiro a alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de 12% para 13,3%.

Um levantamento recente da BDO Brasil mostrou que, no caso dos veículos 0 km com motor até 1.0, os impostos correspondem a até 36,53% do preço total. Em carros acima de 1.0 até 2.0, esse número sobe para 43,13%.

Voltando para o Volkswagen Gol: sua versão mais barata custa hoje R$ 56.190. Sem os impostos, considerando-se sua versão 1.0, o carro custaria R$ 29.664.

Governo está mais exigente (e você também)

Há 50 anos, fabricar um carro era algo que tinha poucas exigências. Hoje, já não é mais o caso. Questões ambientais e de segurança no tráfego fazem com que governos de todo mundo, não só no Brasil, exijam metas bem restritas de emissões de poluentes e de proteção para os passageiros.

Para emitir menos poluentes, a solução não sai barata. Desde conversores catalíticos a modernos sistemas de desligamento de parte dos cilindros do motor, as fábricas investem cada vez mais para que seus veículos poluam menos. Tal investimento gera custos, que se refletem nos preços. O mesmo acontece com sistemas de segurança. Até na hora de projetar o carro, sua estrutura consome meses de desenvolvimento para garantir que os ocupantes estejam o mais protegidos quanto possível em caso de acidente.

Itens como airbags e freios ABS se tornaram obrigatórios no Brasil em 2014.

Em 2022, controle eletrônico de estabilidade e luzes diurnas também seriam mandatórios, mas o governo adiou sua obrigatoriedade, atendendo a um apelo da Anfavea, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, que já alertava que, por causa da pandemia, as fábricas não tinham nem tempo nem dinheiro para dar conta das novas exigências.

Na ponta final da questão, estão os próprios consumidores. Os hábitos de compra de carros 0 km mudaram radicalmente na última década. Enquanto em 2011 era comum encontrar um carro de entrada sem ar-condicionado, direção assistida ou vidros elétricos e com apenas duas portas, estes modelos simplesmente não têm mais a procura de antes, e poucos saem assim das linhas de montagem.

Quanto mais equipamento se exige, seja por lei ou por preferência do cliente, mais custo é adicionado ao valor final.

Reportagem: Thiago Moreno

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