Economia brasileira ainda tem potencial para crescer 5% em 2021, diz Maílson da Nóbrega

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A queda de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre deste ano e os sinais da perda de fôlego da retomada econômica não impedem que o Brasil registre crescimento robusto em 2021, afirma o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. “Nada indica que o país não consiga crescer em torno de 5% neste ano. Vimos muitas informações de que o resultado do PIB foi decepcionante, mas quando se olha com cuidado as projeções de consultorias e bancos, a média ficou muito próxima de 0%”, afirma em entrevista ao site da Jovem Pan. Caso se confirme, será o maior avanço da economia desde 2011, quando a soma dos serviços e bens produzidos pelo país alcançou alta de 4%. Para o economista e sócio da Tendências Consultoria Integrada, o crescimento será pautado pela recuperação do setor de serviços — o mais prejudicado pelas medidas de isolamento social — em meio ao avanço da imunização da população contra o novo coronavírus. A recuperação, no entanto, é impulsionada pela ocupação de vagas ociosas, o que não confere crescimento sólido e sustentável. “A partir de 2022, o crescimento tem que ser à base de produtividade, e isso não vai acontecer. Portanto, o país cairá na mediocridade no próximo ano.”

Para o economista, o crescimento de qualidade depende de reformas que levem ao aumento da produção e da renda da população, um esforço que ele não enxerga no atual governo. “No curto prazo, a produtividade pode ser elevada com uma reforma tributária digna deste nome, não essa que o governo propôs e que foi aprovada pelo Congresso”, afirma ele, classificando a mudança nas regras do Imposto de Renda para empresas e pessoas físicas como uma “bagunça”. “O melhor para o país neste momento seria jogar esse projeto no lixo e deixar para o próximo governo.” Maílson se mostra cético com as declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, de uma retomada vigorosa das atividades. “O ministro tem a percepção de que ele tem o dom de animar auditórios com essas visões superlativas, super otimistas, e que com isso ele animaria os investidores e consumidores”, afirma. O ex-chefe da Fazenda também classifica como  “lamentável” a recente polêmica envolvendo bancos públicos e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e afirma que grande parte do mercado financeiro já desembarcou do governo de Jair Bolsonaro (sem partido). “Eles perceberam, assim como outros segmentos do empresariado, que as tensões institucionais são prejudiciais às suas atividades.” Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Dá para enxergar uma luz no fim do túnel para a economia brasileira? Nada indica que o país não consiga crescer em torno de 5% este ano. Vimos muitas informações de que o resultado do PIB foi decepcionante, mas quando se olha com cuidado as projeções, a média ficou muito próxima de 0%, do [resultado] efetivo de 0,05%, que foi arredondado para 0,1%. Isso não quer dizer, como fala o ministro, que a economia está decolando, que o país vai surpreender o mundo. As falas dele sempre são superlativas. O que está acontecendo hoje é o que os economistas chamam de recuperação cíclica, em que a atividade econômica cresce pela ocupação da capacidade ociosa. Não há aumento do investimento, de ganho de produtividade, mas simplesmente a ocupação do que não estava sendo ocupado. A partir de 2022, o crescimento tem que ser feito à base de produtividade, e isso não vai ser possível. Portanto, o país cairá na mediocridade no próximo ano. Temos um potencial de crescimento em torno de 2%, tem gente já falando em 1,5%, os mais pessimistas falam até em recessão e estagflação. O desafio do país continua sendo o de criar condições estruturais para ampliar o seu potencial de crescimento, para que volte a crescer, 3%, 4%.

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De que forma o país pode criar essas condições? É quase uma receita de bolo. É agir nas razões que elevam a produtividade. No curto prazo, a produtividade pode ser elevada por uma reforma tributária digna deste nome, não essa que o governo propôs e que foi aprovada pelo Congresso. É [preciso] uma reforma que dê cobro às disfunções e ineficiências da tributação do consumo, que é um verdadeiro manicômio. O Brasil contava com a melhor proposta que surgiu nos últimos 40 anos, que é a que materializou na PEC 45. O Ministério da Economia sempre se posicionou de má vontade. O projeto foi enterrado, tanto por uma ação do ministério, como do presidente da Câmara, quando já existia um relatório pronto para andar de forma rápida. Agora, isso é matéria para um governo seguinte.

A opção do ministro pela CPMF é uma coisa inacreditável. Um tributo disfuncional, contra os pobres, a eficiência do sistema financeiro, para compensar uma possível eliminação das contribuições sobre a folha [de pagamento], e a experiência mundial mostra que onde isso aconteceu o resultado não foi o aumento do emprego, mas da renda. Que não é ruim, mas é melhor o emprego. O ministro resolveu se abraçar com uma proposta que não era nenhuma prioridade. Reformar o Imposto de Renda no Brasil é importante, mas para aumentar a progressividade, não essa bagunça que fizeram. O projeto já saiu com defeitos do Ministério da Economia e piorou bastante na Câmara. No fim, sai um projeto torto, que gera prejuízo de R$ 20 bilhões para Estados e municípios. O melhor para o país neste momento seria jogar esse projeto no lixo e deixar para o próximo governo.

Este crescimento de 5% será um voo de galinha? É quase isso. Vai crescer pela ocupação da capacidade ociosa, e não é algo que mantém o nível de voo. O crescimento em torno de 1,2%, 2% [em 2022] é muito provável, a não ser que a inflação piore e a crise hídrica seja  pior do que o esperado e necessite o racionamento de energia. É um cenário mais pessimista. Tudo indica que vai ser possível gerir, embora tardiamente, a crise hídrica sem levar ao extremo do racionamento e apagão. A não ser, e como esse governo parece ser pé-frio, a situação das chuvas seja muito pior do que o previsto nas piores estimativas. E tem também a ameaça da pandemia, que pode trazer uma terceira onda.

Houve um otimismo exagerado com a expectativa de retomada da economia? As casas com expectativas mais otimistas são aquelas que projetam o crescimento de 5,%, 6% para este ano, e agora vão precisar rever suas projeções. Mesmo que a economia não cresça ao longo de 2021, o PIB cresce 3,6%, que é o chamado carrego estatístico de 2020. Por outro lado, vamos ter uma participação importante na recuperação dos serviços. A atividade de serviços tende a ser o destaque no segundo semestre, por causa da ampliação e do avanço da vacinação. Os serviços representam cerca de 73% do PIB, e tende a ser o segmento que mais vai crescer.

O senhor acha que o ministro Paulo Guedes está descolado da realidade? O problema é, como o ministro da Economia disse, que vamos criar a base para o crescimento sustentável a partir de 2022. Com todo o respeito pela autoridade do ministro, seu conhecimento acadêmico e experiência, mas isso está longe da realidade. Nós não temos como, em um espaço de alguns meses, ter aumento de produtividade que gere crescimento sustentável muito acima do que está prevendo o mercado. Ações para aumentar a produtividade levam tempo, até cinco anos ou mais para operar plenamente seus efeitos no potencial de crescimento da economia. O ministro tem a percepção de que ele tem o dom de animar auditórios com essas visões superlativas, super otimistas, e que com isso ele animaria os investidores e consumidores. O que anima é outra coisa. Depende da renda, e ela não vai aumentar tanto em 2022 porque o aumento do emprego que vai derivar da expansão dos serviços tende a ser majoritariamente na área informal, e não necessariamente significa ganho de renda da massa salarial. Não sei de onde o ministro tira todo esse otimismo, talvez pela vontade de mudar o país só pela fala dele.

O Brasil teve o pior desempenho no segundo trimestre deste ano entre todos os países da OCDE. Como está a nossa economia em comparação ao resto do mundo? A rigor, não foi tão ruim a posição do Brasil em 2020, mas seguramente o país está em uma posição muito desconfortável, particularmente no campo fiscal. Quando se olha a metodologia de cálculo na relação dívida pública e o PIB adotada pelo FMI, o Brasil só está atrás da Líbia e do Egito. Esse é o calcanhar de Aquiles do futuro do Brasil, e vamos terminar esse governo sem grandes reformas que pudessem ter alterado essa situação estrutural grave.

Como o senhor vê a polêmica envolvendo os bancos públicos e a Febraban? Tudo isso que aconteceu foi lamentável. A Caixa Econômica e o Banco do Brasil assumiram uma posição de governismo irrefreável. Tem formas de protestar e colocar na ata que é contra, e não falando que vai sair da Febraban. Os bancos nada ganharam com essa posição política, e a Febraban, corretamente, ignorou essas posições e reafirmou o seu compromisso com o manifesto.

O senhor acredita no desembarque do mercado financeiro do governo? Em geral, creio que sim. Vários executivos de grandes bancos já assinaram manifestos até mais fortes. Eles percebem, assim como outros segmentos do empresariado, que essas tensões institucionais são prejudiciais às suas atividades. Os líderes estão afastando o apoio de Bolsonaro. Mas tem os jovens que acreditam que o Paulo Guedes vai operar o milagre de privatizar R$ 1 trilhão, que vai fazer um monte de reformas. São pessoas mais jovens e não têm a capacidade de reflexão presente entre as pessoas de maior idade e experiência. Nesse grupo, a minha impressão é que quase todo mundo já desembarcou.

O que esperar do desempenho da economia a partir de 2022? Depende muito de quem for o presidente da República. Aumentaram as chances de elegermos uma terceira via. A eleição de um presidente que seja distante desses polos de esquerda e direita pode mudar radicalmente as expectativas e capacidade do país de enfrentar efetivamente os seus problemas estruturais. Como o presidente está trabalhando contra ele próprio, a sua popularidade pode continuar derretendo, e vai chegar a uma posição que inviabilize o segundo turno. Se isso for acontecer, e não é improvável, nem impossível, as chances de um candidato de terceira via aumentam muito.

Jovem Pan