O aumento da Selic para 9,25% ao ano nesta quarta-feira, 8, representa o maior choque do Banco Central (BC) em quase 20 anos com o acréscimo de 7,25 pontos percentuais na taxa de juros em nove meses. A última vez que o Comitê de Política Monetária (Copom) agiu de forma tão agressiva em um curto espaço de tempo foi em meio à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entre setembro de 2002 e fevereiro de 2003, foram injetados 8,50 pontos percentuais na Selic, saltando de 18% ano para 26,50% ao ano. O atual ciclo de aceleração iniciou em março com a alta de 2% — o menor valor da história — para 2,75%. O Copom fez mais dois acréscimos de 0,75 ponto percentual nas reuniões de maio e junho, elevando a Selic para 4,25%. A disseminação das pressões inflacionárias ao fim do primeiro semestre, e a constante degradação das expectativas, levou a autoridade monetária a aumentar a dose a partir de agosto ao fazer duas altas de 1 ponto percentual e jogar os juros para 6,25% em setembro. O quadro se agravou com o aumento do risco fiscal após o apoio do governo federal na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, e o Copom reagiu com o aperto da política monetária para alta de 1,5 ponto percentual no encontro de final de outubro, contratando nova alta da mesma magnitude para esta última reunião.
Na tentativa trazer o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador oficial da inflação doméstica, para a meta em 2022 e 2023— para este ano já não há possibilidades —, o colegiado do Banco Central indicou novo aumento de 1,5 ponto percentual na próximo reunião, realizada em 1º e 2 de fevereiro, jogando a Selic para 10,75% ao ano. O mercado estima que o movimento de alta deve se manter até que a taxa chegue a 11,25% ao fim do primeiro trimestre, e se mantenha nesse patamar até ao menos 2023. Segundo analistas do mercado, uma alta tão expressiva em um espaço de tempo reduzido não permite que os efeitos de cada dose sejam totalmente absorvidos pelas atividades, o que acaba impactando de forma ainda mais negativa no desenvolvimento da economia. “A indústria vai desacelerar, o varejo, que já está fraco, vai continuar neste ritmo no ano que vem. O cenário se mostra bastante complicado para as atividades como um todo”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
A força e a velocidade da escalada dos juros estão à altura do galope da inflação, que nos 12 meses encerrados em outubro foi a 10,67%, o resultado mais expressivo para o período desde janeiro de 2016. “O Banco Central não tem tempo de esperar pela reação da alta dos juros. A inflação já está muito elevada, e ele precisa agir com essa intensidade”, afirma Vale. Para Paulo Duarte, economista-chefe da Valor Investimentos, a atuação enérgica da autoridade monetária se faz ainda mais necessária diante da percepção de abandono do controle fiscal, ou seja, a responsabilidade com as contas públicas, com a solução de problemas complexos, como o aumento do Auxílio Brasil. “Ninguém questiona que o povo mais vulnerável precisa de apoio, mas sim a questão de como se fazer. O governo poderia travar o orçamento secreto, cortar verbas do funcionalismo. Haviam diversas frentes de reformas que não avançaram por questões políticas, e o governo tenta vender um discurso de que não haviam alternativas”, afirma. Além dos riscos fiscais, o avanço da inflação nos próximos meses deve ser impactado pelas variações típicas de um processo eleitoral e o prolongamento de fatores que levaram o IPCA para dois dígitos em 2021. “O Copom está fazendo o papel dele ao dar uma dose amarga com a taxa de juros e levar até onde precisar. O problema é que está mais rápido e alto do que deveria, caso ele tivesse ajuda do governo”, diz.
A contratação de uma nova alta de 1,5 ponto percentual na próxima reunião reforça as declarações do presidente do BC, Roberto Campos Neto, de que a entidade vai levar a Selic até onde for necessário para fazer cumprir a meta. Para Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimentos (Acrefi), o recado deixa claro que os juros se manterão em uma postura significativamente contracionista, quando o nível da Selic prejudica o desenvolvimento das atividades. “O Banco Central optou pela dureza no comunicado porque ele pretende não só o esvaziamento da inflação, como também a ancoragem das expectativas em torno da meta. Uma das principais razões que levou a isso foi a leitura do Copom de que há uma assimetria altista no balanço de riscos por conta da parte fiscal”, afirma.
O aperto da política monetária vai impactar na desaceleração das atividades econômicas em 2021 e 2022. Em paralelo ao aumento das estimativas para a inflação e os juros, o mercado financeiro cortou gradativamente a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB). Para este ano, a perspectiva é alta de 4,71%, enquanto para 2022 a mediana ficou em 0,51% — opiniões mais pessimistas indicam até desempenho negativo da atividade econômica. As previsões são contestadas pelo governo federal. O Ministério da Economia estima que o PIB deste ano encerre com avanço de 5,1%, e prevê alta de 2,1% em 2022. Constantemente, o chefe da equipe econômica, Paulo Guedes, critica as perspectivas pessimistas para a atividade econômica, apesar de reconhecer que a alta da Selic vai prejudicar o desenvolvimento do país. Em um evento com empresários nesta terça-feira, 7, Guedes justificou a visão mais otimista como resposta ao “ceticismo” de adversários políticos que saíram derrotados nas últimas eleições. “Temos que reagir a isso, e não com ufanismo. Reagimos dizendo: ‘olha, a inflação está subindo, é um problema no mundo inteiro. O Banco Central está subindo os juros, isso desacelera o crescimento, mas não causa recessão’”, afirmou.
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